SEGURO AGRICOLA – Breve Explicação
O seguro rural é essencialmente uma ferramenta disponibilizada ao produtor rural para garantir sua compensação em casos de sinistros previstos pela apólice.
Como o Estado não pode intervir diretamente na contratação de seguros privados, ele atua como regulador e normatizador do setor por meio de entidades como a SUSEP (Superintendência Nacional de Seguros Privados) e políticas como a subvenção ao prêmio de seguro, contribuindo como co-pagador.
É fundamental reconhecer que o seguro rural é um elemento da Política Agrícola, estabelecido inicialmente no artigo 187, inciso V da Constituição Federal, e mais tarde no artigo 4º, inciso XIII da Lei 8.171/91. Assim, a interpretação das cláusulas da apólice deve ser feita com o objetivo de proteger a atividade agrária e o agricultor. Esta perspectiva orienta tanto a legislação quanto a aplicação jurídica do seguro.
O contrato de seguro é considerado um contrato de adesão e está sujeito às normas do Código de Defesa do Consumidor, que oferece uma proteção ampliada ao segurado como consumidor.
Legalmente, conforme o artigo 56 da Lei 8.171/91, o seguro rural visa:
- Minimizar os riscos de sinistros que afetam bens fixos, semifixos ou semoventes;
- Reduzir os riscos de fenômenos naturais, pragas, doenças e outros incidentes que impactam as plantações.
Esses objetivos são complementados pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO) e pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
Modalidades de Seguro Rural
Atualmente, o seguro rural é dividido em oito categorias distintas, detalhadas no site da Susep:
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Seguro Agrícola
: Protege as culturas agrícolas contra perdas principalmente devido a fenômenos meteorológicos desde a germinação até a colheita.
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Seguro Pecuário
: Assegura a compensação em caso de morte de animais destinados à produção ou ao trabalho.
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Seguro Aquícola: Oferece cobertura para morte ou outros riscos associados a animais aquáticos.
- Seguro de Benfeitorias e Produtos Agropecuários: Cobre danos aos bens associados às atividades agrícolas que não estão vinculados a créditos rurais.
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Seguro de Penhor Rural: Protege os bens oferecidos como garantia em operações de crédito rural.
- Seguro de Florestas: Compensa prejuízos em florestas seguradas resultantes de riscos cobertos.
- Seguro de Vida: Destinado a produtores rurais financiados, com a seguradora como beneficiária.
- Seguro de Cédula do Produto Rural (CPR): Garante o cumprimento das obrigações do tomador em caso de inadimplemento.
Diferença entre Seguro Rural e PROAGRO
O Proagro é um programa de natureza pública que foca na exoneração de obrigações financeiras do produtor, enquanto o seguro rural é privado e visa indenizar prejuízos diretamente associados aos sinistros descritos na apólice.
Subvenção Econômica
O alto custo dos prêmios era um entrave para a expansão do seguro rural, levando à criação do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que permite ao agricultor segurar sua produção com custos reduzidos, com subsídios do governo.
Em caso de sinistro, o produtor deve notificar imediatamente a seguradora, mantendo evidências dessa comunicação.
Recursos Legais
Em situações de indenizações indeferidas ou parcialmente concedidas, é possível recorrer administrativamente ou judicialmente, sendo essencial que o produtor disponha de provas robustas dos danos sofridos para fundamentar sua reivindicação.
O seguro rural deve ser interpretado como um componente estratégico da política agrícola nacional, não apenas como um contrato privado, alinhando-se aos objetivos de sustentabilidade e proteção econômica do setor agrícola.
Uma seguradora foi obrigada a indenizar um agricultor de café por perdas de produtividade, apesar de a colheita ter sido realizada sem a autorização prévia da empresa. O caso, julgado pelo TJMG, teve sua decisão final e não admite mais recurso.
Detalhes do caso: Um agricultor de café obteve financiamento para a safra de 2013/2014 e contratou um seguro rural garantindo uma produtividade média de 14,60 sacas por hectare.
Após a colheita, foi constatado que a produtividade ficou bem abaixo do esperado e do valor segurado: apenas 4,57 sacas por hectare em uma propriedade e 12,95 sacas por hectare em outra. Ao comunicar o sinistro, a seguradora recusou-se a pagar a indenização, argumentando que a colheita ocorreu sem sua prévia vistoria ou consentimento.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu que a realização da colheita antes da autorização da seguradora não deveria impedir o pagamento da indenização, uma vez que foi comprovado nos autos a quantidade real de café colhida. A corte também destacou a falta de provas de que a seguradora havia informado claramente ao produtor sobre a necessidade de solicitar uma vistoria antes da colheita. Portanto, a seguradora foi condenada a pagar a diferença entre a produtividade efetiva e a segurada, totalizando 1.033 sacas de café, com juros e correção monetária incluídos.
Esta decisão é definitiva e não permite mais apelações.
Essa decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais representa um precedente importante para os produtores rurais, especialmente no que diz respeito às relações com seguradoras no âmbito do seguro rural. Ela reafirma que, em situações onde a produtividade comprovada é significativamente inferior à garantida pela apólice, a seguradora é responsável por compensar o agricultor, mesmo que a colheita tenha sido realizada sem a autorização prévia da seguradora.
Esse julgamento também sublinha a importância de as seguradoras comunicarem de maneira clara e inequívoca todas as obrigações e procedimentos necessários aos segurados. A falta de uma comunicação efetiva não pode ser utilizada pela seguradora como justificativa para a negação de um sinistro legítimo.
Para os agricultores, esse caso serve como um lembrete crítico sobre a importância de documentar adequadamente todas as fases de sua produção e as interações com as seguradoras. Isso inclui manter registros detalhados de produção e correspondências ou comunicações com a seguradora. Tais práticas podem ser decisivas na resolução de disputas e na garantia de recebimento de indenizações devidas.
Por fim, a decisão também reforça a posição jurídica do produtor rural como parte muitas vezes vulnerável nas negociações de apólices de seguro, sujeito às normas do Código de Defesa do Consumidor, que visa proteger o consumidor contra práticas abusivas e garantir que seus direitos sejam respeitados.
No setor agropecuário, não é raro que condições extremamente adversas impactem vastas áreas, afetando negativamente as culturas ali estabelecidas. Isso ocorreu, por exemplo, com as plantações de milho safrinha em 2021 e soja em 2022 no sul do Brasil, bem como em certas regiões do centro-oeste e sudeste.
Nesses casos, torna-se frequente o aumento de recusas e reduções nas indenizações, ou até o cancelamento de apólices vigentes por parte das seguradoras, frequentemente baseando-se em razões bastante peculiares e inovadoras, causando espanto até nos produtores mais serenos.
Veja a seguir alguns exemplos reais de indeferimentos de seguros rurais observados, principalmente nos seguros de milho 2021 e soja 2022.
Razões Injustas para a Negação ou Redução de Indenizações
Falhas de Stand: Um argumento comum utilizado pelas seguradoras refere-se às \”falhas de stand\”, que acontecem quando há uma ausência notável de plantas nas fileiras de cultivo. Essa condição pode ser resultado de uma semeadura inadequada (considerada um risco excluído), ou pela morte das plantas devido a eventos climáticos.
Contudo, se a redução na população de plantas não se deveu à semeadura pelo segurado, mas sim a eventos climáticos que resultaram no sinistro, essa condição não deveria ser usada para diminuir a indenização. Seria ilógico penalizar o produtor por falhas de stand resultantes de eventos climáticos que estavam cobertos pela apólice, assim como seria absurdo um seguro de carro reduzir a indenização por amassados resultantes de um acidente, sendo que o acidente é um risco coberto pela apólice.
Tipo de Solo Inadequado Outra razão comum para a negação de indenizações é o plantio em um \”tipo de solo inadequado\”. Há várias instâncias desta situação.
Em um caso, a seguradora alegou que o tipo de solo não era aceitável segundo o ZARC, enquanto que o próprio ZARC indicava o contrário para aquela localidade.
Em outro exemplo, a seguradora não questionou o tipo de solo ao segurado e depois usou essa falta de informação para negar a cobertura.
E ainda, há situações em que um produtor, que há anos possui seguro para a mesma propriedade e já recebeu indenizações em safras anteriores, enfrenta a negação de indenização sob a alegação de que \”aquele tipo de solo não é aceito para formalização de contrato\”.
Quando o produtor envia uma proposta de seguro, ele fornece todos os dados de geolocalização da propriedade, dando condições para que a seguradora avalie se aceita ou não o risco. Não é admissível que, durante a regulação do sinistro, a seguradora inove trazendo essa questão.
Ademais, muitas seguradoras, ao regularem o sinistro, começaram a realizar análises de solo para verificar a validade da apólice, uma prática duvidosa, especialmente porque algumas análises têm sido realizadas de maneira tecnicamente inadequada ou com equipamentos impróprios, resultando em dados questionáveis.
Se este for o seu caso, recomendamos que não impeça a coleta de solo, mas esteja vigilante e documente todas as técnicas utilizadas na coleta para possíveis questionamentos futuros, por meio de vídeos, fotos, depoimentos, etc.
Para mais informações sobre esta questão, confira também nossas dicas sobre como se preparar para uma vistoria de seguro rural no artigo relacionado.
Replantio não seguiu a \”Melhor Recomendação Técnica\”
Em uma situação específica, foi acionada a cobertura adicional para replantio de lavouras que sofreram danos devido a seca e/ou tromba d\’água em estágios iniciais. A seguradora, após inspecionar as lavouras e constatar a ocorrência do sinistro, ordenou o replantio, sob pena de cancelamento da apólice.
No entanto, após dois meses, a seguradora alegou que o replantio não foi realizado conforme a \”melhor recomendação técnica\” e, por isso, procedeu com o cancelamento da apólice. Curiosamente, nenhuma recomendação técnica específica foi apresentada, enquanto os produtores seguiram as práticas agronômicas padrão.
Dessa forma, os agricultores não tiveram outra escolha a não ser aceitar o cancelamento da apólice, pois foram informados de que, se não realizassem o replantio, a apólice seria cancelada; paradoxalmente, mesmo após replantar, a apólice foi igualmente cancelada. Esta ação arbitrária da seguradora é um exemplo claro de prática que necessita de atenção legal especializada.
Condução Inadequada da Lavoura
Outro caso envolveu a negação de uma indenização alegando \”condução inadequada da lavoura\”. A seguradora argumentou que a produtividade obtida estava bem abaixo da média histórica da região, o que supostamente só poderia ocorrer devido à má gestão da lavoura por parte do agricultor.
No entanto, foi ignorado pela seguradora que a safra em questão (soja 2021/2022) teve a menor média de chuvas já registrada, um fator que obviamente impacta diretamente a vida das plantas. Sem água, não há como sustentar o desenvolvimento normal das culturas, o que mostra uma falha grave na análise da seguradora.
Redução por Custo de Produção Inferior
Também observamos casos onde seguradoras negaram ou reduziram indenizações alegando que o custo de produção informado era inferior ao real. Notadamente, a apólice era baseada em \”produtividade\”, e não em \”custo de produção\”, o que invalida o argumento da seguradora.
Além disso, o custo de produção nunca havia sido questionado ou solicitado anteriormente pelo segurado; essa informação já vinha preenchida automaticamente na proposta do seguro. Durante a análise do sinistro, a seguradora exigiu uma quantidade excessiva de documentos, como planilhas de custos da lavoura e notas fiscais, uma exigência injusta que não contribui diretamente para a determinação da causa do sinistro nem para a apuração das perdas.
Plantio Fora do ZARC
Particularmente nas culturas de milho, onde o calendário de plantio é restrito devido às chuvas e subsequente colheita da soja, os indeferimentos devido ao plantio fora do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) são frequentes.
Consideramos este tipo de indeferimento abusivo, pois é irracional esperar que uma planta, um ser vivo, escolha o \”melhor dia\” para germinar com base em um calendário. Não é razoável afirmar que a principal causa da perda de produção foi o plantio fora do calendário do ZARC, especialmente porque tanto as plantas semeadas dentro quanto fora do ZARC foram afetadas por secas e geadas durante a safra de inverno de 2021.
Assim, fica evidente que o ZARC deve ser visto como um documento orientativo e não como um regulamento estrito, permitindo flexibilidade quando as condições climáticas exigirem ou quando representar a melhor prática agronômica para redução do risco. Em resumo, é fundamental que os produtores estejam cientes de seus direitos e das práticas muitas vezes questionáveis das seguradoras, buscando sempre assessoria jurídica quando enfrentarem obstáculos para receber as indenizações devidas.
Outras Situações Problemáticas
Além dos casos mencionados, ainda vemos uma série de justificativas ou circunstâncias bastante peculiares em indeferimentos de seguros rurais.
Por exemplo, um produtor possuía oito lotes contíguos e equivalentes em tamanho. Em quatro desses lotes, a indenização foi aprovada sem problemas, enquanto nos outros quatro, foi negada sob alegações como \”falhas de stand\” ou por não seguir a \”melhor orientação técnica\”. Tais discrepâncias dentro da mesma propriedade levantam questões sobre a consistência e justiça dos critérios utilizados pelas seguradoras.
Em outra situação, o atraso do perito em agendar a vistoria resultou na autorização para iniciar a colheita devido à iminência das chuvas e do vazio sanitário. No entanto, após a colheita, a seguradora argumentou que não era possível avaliar as perdas adequadamente, pois a colheita já havia sido realizada. Este tipo de contradição nas ações e justificativas da seguradora apenas complica a situação do produtor, que cumpriu com as orientações recebidas.
Superestimação da Produtividade e Dificuldade em Obter Documentos
É comum também que as seguradoras superestimem a produtividade obtida, o que pode impactar diretamente no valor da indenização a ser paga. A dificuldade em obter cópias de documentos relevantes e atrasos burocráticos adicionais só agravam a situação, deixando os agricultores em uma posição vulnerável durante negociações e processos de reclamação.
Táticas das Seguradoras Diante de Muitos Sinistros
Observa-se que, em períodos de alto número de sinistros, as seguradoras tendem a se tornar ainda mais restritivas e criativas em seus critérios para negar ou reduzir indenizações, provavelmente na expectativa de que apenas uma minoria dos produtores prejudicados buscará reverter a decisão judicialmente. Essa prática pode ser vista como uma tentativa de minimizar perdas financeiras, mas é eticamente questionável e prejudica a confiança na relação entre agricultores e seguradoras.
Ações Recomendadas em Caso de Indeferimento ou Redução da Indenização
Caso um produtor rural enfrente o indeferimento ou a redução de uma indenização de seguro, a primeira medida recomendada é realizar um recurso administrativo. É essencial que este recurso seja elaborado por um advogado, dada a complexidade e a importância do documento em uma eventual ação judicial. A escolha de um profissional especializado em direito agrário ou em seguros pode ser crucial para a eficácia desse recurso.
Caso o recurso administrativo não seja suficiente ou nem mesmo tenha sido considerado pela seguradora, a segunda opção é ingressar com uma ação judicial. A jurisprudência tem mostrado decisões favoráveis aos produtores em muitos casos, o que pode encorajar outros agricultores a buscar seus direitos.
Conclusão
É vital que os produtores rurais estejam bem informados sobre seus direitos e as práticas do mercado de seguros rural. Manter documentação completa e procurar assessoria jurídica qualificada são passos fundamentais para garantir que os direitos dos agricultores sejam respeitados e que recebam as indenizações devidas por perdas em suas lavouras.